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segunda-feira, 5 de maio de 2025

O Poder Aéreo Russo na Invasão da Ucrânia

Baseado num relatório do CNA (Center for Naval Analyses) de Abril de 2023 e em outros documentos e fontes é possível retirar algumas conclusões sobre os pontos fortes e fracos das VKS (Forças Aeroespaciais da Rússia) e analisar táticas e procedimentos operacionais. Pelo menos, será possível desmistificar infinitamente repetido por veículos de informação mal informados, de que os Russos “não usaram a Força Aérea” ou que só não o fazem por motivos humanitários. Irei fazer um pequeno resumo da linha temporal e das lições que se podem retirar até ao momento apesar de faltar informação tática mais detalhada sobre as operações russas e do seu ponto de vista operacional.

Poucos esperavam que os Força Aérea Ucraniana conseguisse resistir mais que quinze dias á enorme superioridade material dos oponentes Russos. Mas as deficiências de treino, equipamento e doutrina da herdados da União Soviética mostraram-se determinantes. Além de outro fator que os Russos não contavam de todo – a total determinação Ucraniana em defender o seu território.

Contra todas as expectativas dos militares e analistas ocidentais, as muito maiores, melhor equipadas e tecnologicamente mais evoluídas VKS foram incapazes de estabelecer superioridade aérea sobre os oponentes Ucranianos. O aspecto que mais influenciou a campanha aérea Russa foi a falha em encontrar, localizar e destruir o grosso dos sistemas de defesa antiaérea inimigos. No final de 2022, a Força Aérea Ucraniana continuava a operar um grande numero de baterias de “Buk” (SA-11), S-300 (SA-10) e “Gladiador” (SA-12) e o Exército mantinha também operacionais numerosos sistemas “Osa” (SA-8). O uso eficaz de todos estes sistemas negou á Rússia qualquer ambição de conquistar superioridade aérea nos céus da Ucrânia e, ainda hoje a VKS operam com muita cautela quando próximas das linhas da frente. Foram os sistemas de defesa aérea de origem Soviética, como o S-300 e os Buk, que defenderam os céus da Ucrânia durante os primeiros meses da invasão. Apesar da interferência eletrônica a que foram sujeitos, estes sistemas raramente estiveram fora de combate por mais de 24 horas.

Apesar da enorme superioridade material e de recursos em favor das VKS no domínio aéreo a tarefa de missões SEAD/DEAD (supressão/destruição de defesas antiaéreas) era significativo. A Ucrânia começou a guerra com um arsenal impressionante; três brigadas e três regimentos de S-300, uma brigada de S-300V “Gladiador” e pelo menos duas brigadas de “Buk” – além de mais de 100 SA-8 operados pelo exército. Ao contrário do que aconteceu no domínio terrestre, onde recebeu vastas quantidades de equipamentos de nações aliadas ainda antes da invasão, no domínio da defesa aérea a Ucrânia defendeu em grande parte o seu território com as suas próprias armas até Outubro de 2022. No entanto, durante os primeiros meses da invasão, a Ucrânia recebeu milhares de mísseis Stinger de curto alcance. Tornaram-se rapidamente uma séria ameaça para as aeronaves Russas a baixa altitude, juntamente com os estoques de mísseis “Igla” e “Strela”. Mas foram os S-300 e SA-11 que obrigaram os russos a voar mais baixo, dentro do envelope de tiro destes MANPADS. A partir de Outubro de 2022 os sistemas IRIS-T, Gepard e NASAMS foram sendo introduzidos e tornaram-se vitais para enfrentar a ameaça dos mísseis de cruzeiro e drones russos.

Com o intuito de neutralizar o sistema antiaéreo Ucraniano, os Russos iniciaram a invasão com uma campanha SEAD que incluía alguns elementos DEAD. A primeira foi muito mas eficaz que a segunda. Na manhã de 24 de Fevereiro de 2022, bombardeiros Tu-95MS e Tu-160 lançaram vagas de mísseis de cruzeiro Kh-101 e Kh-555 coordenados com o lançamento de mísseis Kalibr a partir de navios no Mar Negro e mísseis balísticos Iskander lançados de terra. Por outras palavras, os Russos sincronizaram fogos de precisão múltiplos de longo alcance num plano unificado – uma doutrina essencial da estratégia Soviética. Estes ataques foram acompanhados ativamente por missões de guerra eletrônica e interferência dos sistemas de radar e comunicações Ucranianos - muitos sistemas de mísseis e radares ficaram efetivamente cegos durante as primeiras horas da invasão. Em alguns casos foi necessário substituir componentes e executar múltiplos resets totais para voltar a ligar as baterias ao comando central. A Rússia foi capaz de empregar o seu vasto conhecimento dos sistemas SA-10/SA-12/SA-11/SA-8, dado que todos eles se originam da antiga união Soviética e continuam a ser usados pelas próprias forças Russas. No entanto, ao longo dos anos, os Ucranianos melhoraram e aperfeiçoaram muito do hardware e software destas armas – o que levou a que os danos permanentes dos ataques electrónicos provocassem muito menos contratempos do que o esperado pelos Russos.

Antes de avançar a história da Guerra Aérea na Ucrânia, vale enfatizar o componente de força de cada uma das forças envolvidas na guerra. Primeiramente citando o componente de força da Ucrânia:

A Força Aérea Ucraniana, liderada pelo Tenente-General Mykola Oleshchuk, é o ramo aéreo das Forças Armadas Ucranianas. Antes da invasão, a Força Aérea Ucraniana tinha cerca de 50 caças MiG-29 na 40ª, 204ª e 114ª Brigadas de Aviação Tática, 32 caças Su-27 da 831ª e 39ª Brigadas de Aviação Tática, bem como algumas aeronaves Su-24 e Su-25. No entanto, a Força Aérea Ucraniana ainda estava em desvantagem técnica em relação à Força Aérea Russa no início da invasão. A Aviação do Exército foi relatada para colocar em campo 15 helicópteros de carga Mi-2, 60 Mi-8 e 60 helicópteros de ataque Mi-24, alguns deles não operacionais na época.

Lista de unidades com equipamento relatado. O comando principal da Força Aérea opera unidades de ataque (Av), enquanto os Comandos Aéreos regionais operam unidades de caça (Av) e mísseis (AA) para defesa aérea da área designada. Observe que todas as unidades ucranianas estão abaixo da força nominal devido à escassez de aeronaves.

Comando da Força Aérea

7ª Av, Base Aérea Starokostiantyniv (Su-24M, Su-24MR, L-39C)

299ª Av, Base Aérea de Kulbakino, Mikolayev (Su-25, Su-25UB, L-39C)

383ª Av, Khmelnitsky (Bayraktar TB2)

Comando Aéreo Oeste

114ª Av, Base Aérea de Ivano-Frankivsk (MiG-29)

540º AA, Kamianka-Buzka (S-300PS)

11º AA, Shepetivka (Buk-M1)

223º AA, Stryi (Buk-M1)

Central de Comando Aéreo

39th Av, Base Aérea de Ozerne (Su-27, L-39C)

40th Av, Base Aérea de Vasylkiv (MiG-29, L-39C)

831st Av, Base Aérea de Myrhorod (Su-27, L-39C)

96º AA, Danylivka (S-300PS)

156º AA, Zolotonosha (Buk-M1)

Comando Aéreo Sul

204ª Av, Base Aérea de Kulbakino (MiG-29, L-39M1)

160º AA, Odessa (S-300PM)

208º AA, Kherson (S-300PS)

201º AA, Pervomaisk (S-300PS)

Comando Aéreo Leste

138º AA, Dnipro (S-300PS)

301º AA, Nikopol (S-300PS)

VKS


As Forças Aeroespaciais Russas/VKS, que consistem na Força Aérea Russa VVS, nas Forças de Defesa Aérea e de Mísseis e nas Forças Espaciais Russas, são atualmente lideradas por Viktor Afzalov. As Forças Aeroespaciais Russas, formadas em agosto de 2015, eram anteriormente chefiadas por Sergey Surovikin, que foi demitido de seu cargo em agosto de 2023 após a Rebelião do Grupo Wagner. Em 2021, a Rússia tinha 4.173 aeronaves ativas.

Preto são unidades de aviação, excluindo aviação estratégica (LRA). Vermelho são unidades de mísseis. Aviação de longo alcance não estão incluídas na listagem abaixo:

Distrito Militar Oriental:

11th Air and Air Defence Forces Army

303rd Composite Aviation Division -

22nd Fighter Aviation Regiment - 2 Esquadrões MiG-31BM (24), 1 Esquadrão Su-35S (12), 4 Su-27SM, 2 Su-30SM e 4 Su-30M2

23rd Fighter Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-35S (24), 4 Su-30SM e 2 Su-30M2

120th Fighter Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-30SM (24)

277th Bomber Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-34 (26)

18th Assault Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-25SM (24) e 6 Su-25UB

266th Assault Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-25SM (24) e 6 Su-25UB

799th Reconnaissance Aviation Squadron - 1 Esquadrão Su-24MR (12)

Frota do Pacífico

865th Fighter Aviation Regiment - 1 Esquadrão MiG-31BS (12)

Em termos de DAAe:

1 Brigada S-300V4 (38th)

6 Regimentos S-400 (1529th, 1530th, 1724th, 1532nd, 1533rd e 589th)

1 Regimento S-300PS (1723rd)

Distrito Militar Ocidental:

6th Air and Air Defence Forces Army

105th Aviation Division -

159th Fighter Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-35S (24) e 2 Su-27UB

790th Fighter Aviation Regiment - 2 Esquadrões MiG-31 (19 MiG-31BSM e 5 MiG-31BM), 6 Su-35S e 1 Esquadrão Su-27 (10 Su-27SM e 2 Su-27UB)

14th Fighter Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-30SM (24), 1 Esquadrão MiG-29SMT (14) e 4 MiG-29UBM

47th Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-34 (24)

4th Reconnaissance Aviation Squadron - 1 Esquadrão Su-24MR (12)

Frota do Báltico

689th Fighter Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-27 (18 Su-27SM e 4 Su-27UB)

4th Naval Attack Aviation Regiment - 1 Esquadrão Su-30SM (8) e 1 Esquadrão Su-24 (10 Su-24M e 4 Su-24MR)

Em termos de DAAe:

7 Regimentos S-400 (1488th, 1489th, 1490th, 500th, 1544th, 183rd e 1545th)

2 Regimentos S-300PM2 (108th e 42nd)

Distrito Militar do Sul:

4th Guards Air and Air Defence Forces Army

1st Composite Aviation Division -

31st Fighter Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-30SM (20) e 8 MiG-29/UB

3rd Composite Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-27SM3 (24) e 8 Su-30M2

559th Bomber Aviation Regiment - 3 Esquadrões Su-34 (36)

368th Assault Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-25 (23 Su-25SM e 1 Su-25M3)

4th Composite Aviation Division -

11th Composite Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-24 (12 Su-24M e 12 Su-24MR)

960th Assault Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-25SM (26) e 2 Su-25UB

27th Composite Aviation Division -

38th Fighter Aviation Regiment - 2 Esquadrões Su-27 (13 Su-27SM, 2 Su-27UB e 11 Su-27) e 6 Su-30M2

37th Composite Aviation Regiment - 1 Esquadrão Su-24 (6 Su-24M e 6 Su-24MR) e 1 Esquadrão Su-25 (13 Su-25SM e 1 Su-25UB)

3624th Air Base - 1 Esquadrão MiG-29/Su-30 (12)

Frota do Mar Negro -

43rd Naval Regiment - 1 Esquadrão Su-30SM (12), 1 Esquadrão Su-24 (13 Su-24M e 4 Su-24MR)

Em termos de DAAe:

1 Regimento S-300V4

3 Regimentos S-400 (12th, 18th e 1537th)

1 Regimento S-350 (1721st)

1 Regimento S-300PM (1536th)

Distrito Militar Central:

14th Air and Air Defence Forces Army

21st Composite Aviation Division -

712th Fighter Aviation Regiment - 2 Esquadrões MiG-31BM (21) e 5 MiG-31BSM

764th Fighter Aviation Regiment - 2 Esquadrões MiG-31BM/BSM (24)

2nd Bomber Aviation Regiment - 1 Esquadrão Su-24MR (12) e 2 Esquadrões Su-34 (24)

999th Aviation Base - 1 Esquadrão Su-25SM (7), 5 Su-25SM3 e 2 Su-25UB

Em termos de DAAe:

1 Brigada S-300V4 (28th)

3 Regimentos S-400 (185th, 511th e 590th)

1 Regimento S-300PS (568th)

2 Regimentos S-300P (388th e 24th)

1 Regimento S-300PM (1534th)

Distrito Militar do Norte (Frota do Norte):

45th Air and Air Defense Army

Frota do Norte -

279th Fighter Aviation Regiment - 1 Esquadrão Su-33 (18), - Su-30SM e 5 Su-25UTG

100th Fighter Aviation Regiment - 1 Esquadrão MiG-29KR (19) e 4 MiG-29KUB

174th Aviation Regiment - 2 Esquadrões MiG-31BM (20)

98th Mixed Aviation - 1 Esquadrão Su-24MR (12) e 1 Esquadrão Su-24M (13)

Em termos de DAAe:

3 Regimentos S-400 (33rd, 531st e 1528th)

1 Regimento S-300PS (414th)

1 Regimento S-300PM (583rd)

Os principais tipos de unidades parecem ser:

- Esquadrão de interceptadores em um regimento de caça: MiG-31BSM (atualmente os modelos BS/BM estão sendo modernizados).

- Esquadrão de caça em um regimento de caça: Su-35S (atualmente, alguns operam Su-27SM e Su-27SM3).

- Esquadrão multifuncional em um regimento de caça ou ataque: Su-30SM (atualmente, alguns operam Su-24M).

- Esquadrão de ataque em um regimento de bombardeiros: Su-34 (atualmente, alguns operam Su-24M).

- Esquadrão de reconhecimento e guerra eletrônica em um regimento: Su-24MR (a ser substituído pelo Su-34M).

- Esquadrão de ataque em um regimento de ataque: Su-25SM3 (atualmente, opera o Su-25SM).

Também devem ser considerados ativos multiplicadores. AEW:

- 9-13 A-50/U

Reabastecimento aéreo:

- 18 Il-78M

Retomando a linha do tempo da invasão, é importante salientar que os Russos demonstraram ter conhecimento pormenorizado do sistema de defesa aérea Ucraniano. Nos primeiros dias 75% dos sistemas antiaéreos foram atacados – eletronicamente ou com ataques aéreos. Crucialmente, o Comando Ucraniano recebeu inteligência detalhada de parceiros externos (leia-se NSA, CIA e MI6) sobre a iminente invasão russa e, por conseguinte, a maioria das baterias móveis de lançamento de mísseis foram evacuadas antes dos ataques. No entanto, nas zonas de Kherson e Zaporizhzhia as baterias de SA-10 e SA-3 que não foram recolocadas atempadamente sofreram danos extensos.

Imediatamente a seguir dos ataques de mísseis cruzeiro e balísticos lançadas contra o sistema integrado de defesa aérea Ucraniano, aviões de ataque Sukhoi Su-34 “Fullback” executaram várias dezenas de ataques contra as posições de mísseis e radares até 300 km dentro do espaço aéreo Ucraniano, especialmente nos corredores aéreos usados pelas formações de helicópteros carregadas com tropas das VDV e Spetznaz rumo ao aeroporto de Hostomel e outros objetivos. Cerca de 75% das missões dos Su-34 foram singulares, com a maioria das restantes 25% cumpridas por pares de aviões – nunca em formações maiores. As armas usadas mais comuns foram simples bombas não guiadas, lançadas de altitudes a rondar os 4000 metros. Tal como os ataques com mísseis cruzeiro/balísticos, estes bombardeios aéreos revelaram boa precisão mas, como explicado acima, as posições Ucranianas atacadas tinham sido evacuadas horas antes. Isto leva-nos a outra fragilidade do poder aéreo Russo – fraco reconhecimento (ISR/ISTAR) e análise de avaliação de danos (BDA). Raramente as VKS ordenaram segunda onda de ataques aos mesmos alvos, apesar da evidente ineficácia dos ataques iniciais.

Conclui-se que o maior fator limitativo das VKS na campanha de bombardeamento inicial foi a dificuldade em se adaptarem rapidamente às movimentações e reposicionamentos das defesas terrestres Ucranianas. Por outras palavras a “kill-chain” (localização de alvos, identificação dos mesmos, planejamento da missão, execução da mesma e análise posterior dos resultados) foi, e continua a ser, lenta e ineficiente. Isto apesar da extensa preparação anterior á invasão em detectar e identificar as posições de lançamento de mísseis antiaéreos e radares. Este processo foi ajudado por fontes de "inteligência humana” chamado de HUMINT – é agora sabido que os Russos inseriram agentes e simpatizantes na hierarquia militar Ucraniana ao longo de anos vários. Só nas semanas e meses após o início da guerra foi possível aos Serviços de Segurança Ucranianos (SBU) detectar e neutralizar essas ameaças internas.

A campanha SEAD no início da invasão bloqueou a defesa aérea de longo alcance Ucraniana e permitiu o ataque aerotransportado a Hostomel. Mesmo assim, os mísseis de curto alcance Stinger e Igla e fogo de armas ligeiras custaram aos Russos baixas tenebrosas em homens e material. Ao analisar o esforço SEAD/DEAD inicial dos Russos, os danos físicos foram limitados e não alcançaram o efeito DEAD que as presunções planejadas exigiam. Por outro lado, os ataques de mísseis e aéreos e interferência eletrônica forçaram os Ucranianos a recolocarem os seus meios repetidamente. No seu conjunto, estas ações criaram um efeito SEAD que abriu caminho para as duas ondas de helicópteros até ao assalto a Hostomel e outras localidades. As rotas utilizadas por estes helicópteros deveriam estar defendidas por vários sistemas antiaéreos Ucranianos – afinal de contas, era a rota direta em direção a Kyiv. Coletivamente, o esforço SEAD Russo foi bem sucedido, dado que forçou a Força Aérea Ucraniana a usar os seus caças para defender o território, expondo-os, por sua vez, aos caças e mísseis de longo alcance Russos. 

As patrulhas de caças foram outra área de comparativo sucesso para as VKS nos dias iniciais da invasão. Enquanto os Sukhoi Su-34 executavam missões de ataque e interdição na retaguarda Ucraniana (com poucos efeitos físicos como vimos na anteriormente) caças polivalentes Su-30SM e Su-35S conduziam patrulhas aéreas (CAP – Combat Air Patrol) independentes a grande altitude, a cerca de 8000 metros. Quando estas patrulhas entraram em combate com aviões Ucranianos, os resultados foram desiguais. Conforme fontes independentes, como a Oryx, a Força Aérea Ucraniana sofreu perdas significativas na primeira semana devido á ação destes caças russos mas também contra SAMs (mísseis antiaéreos de longo alcance).

A performance do radar e mísseis dos Su-35S e Su-30SM têm-se revelado digna de nota. Os radares N035 Irbis-E e N110M Bars-M dos respectivos caças permitem-lhes uma enorme vantagem frente aos MiG-29 e Su-27 Ucranianos equipados com sistemas inferiores; cinco vezes o alcance efetivo, maior flexibilidade táctica da capacidade TWS (track-while-scan) e maior habilidade de “cegar” através da interferência eletrônica inimiga. Ambos os radares mostraram bons resultados em contactos “look-down, shoot-down” contra aviões em voo a muito baixa altitude, helicópteros e UAVs que tentam se mascarar com os retornos de radar de terra (ground clutter). Além dos Su-35S e Su-30SM, também o Su-34 têm sido visto com os pods de guerra eletrônica L-175 “Khibiny”, eficazes a perturbar comunicações e ondas de radar inimigas – embora também diminuam a performance de radar do avião transportador.

Além dos radares superiores, o míssil de médio alcance AA-12B “Adder”/R-77 (equipado com radar ativo) permitiu aos pilotos Russos alvejarem os oponentes Ucranianos a uma distância muito superior e sem sacrificar a visão tática geral (situational awareness). Cabe aqui explicar brevemente a vantagem do modo de radar TWS - muito sabem o que é, mas outros não, e todos aprendemos coisas novas todos os dias. Um radar dito “normal”, ou mais simples, procura alvos no modo “search” mas quando um alvo é selecionado ou adquirido (“track” ou “lock”), toda a energia do radar concentra-se nesse alvo e já não “vê” mais nada à frente. No modo TWS, conforme o nome sugere, o radar faz as duas coisas simultaneamente; mantém a capacidade de procurar alvos, enquanto seleciona outros para atacar com mísseis. Isto é possível porque o radar está associado a um CPU que coloca na “memória” todos os alvos e alterna e atualiza a informação constantemente em milissegundos.

Em termos práticos esta capacidade também permite aos Russos disparar vários mísseis AA-12B (contra diferentes alvos) e quando o radar ativo destes entra em funcionamento na fase terminal, o caça russo pode mudar totalmente de direção, mantendo vantagem posicional, e defender-se melhor de qualquer ataque Ucraniano. Além disso, quando atacados em modo TWS, os aviões Ucranianos dificilmente se aperceberão se estão a ser apenas “rastreados” (modo “busca” ou “search”) ou se um míssil Russo já vem a caminho (“track”). Só quando o AA-12B entrar em modo ativo os sistemas de ECM do avião Ucraniano detectarão a ameaça – geralmente demasiado tarde. Em contraste, além dos pilotos Ucranianos terem de se aproximar mais do alvo e iluminá-lo em modo “single-track” para disparar um míssil semi-ativo R-27, são obrigados a continuar a voar em direção ao inimigo – para que o radar ilumine o alvo até ao momento do impacto. Pior ainda, a concentração de energia do radar em modo “single-track” vai despertar os sensores de ECM dos aviões Russos, que irão manobrar violentamente e/ou disparar um AA-12B em retorno. Sim, os pilotos Ucranianos tiveram uma luta extremamente difícil nos primeiros dias.

Dada a superioridade tecnológica dos caças Russos, junto com a ameaça de mísseis antiaéreos de longo alcance, além da consistente inferioridade numérica no ar, os caças Ucranianos foram forçados a voar a altitudes muito baixas, usando o terreno para ocultar os movimentos e evitar a detecção inimiga. No entanto isto acarretou mais problemas para os defensores; mísseis disparados de baixa altitude (por exemplo, um Su-27 Ucraniano) contra um avião opositor (Su-30SM Russo) tem de superar o arrasto aerodinâmico do ar mais denso das altitudes baixas e lutar ainda contra a gravidade na subida. No extremo oposto, o caça Russo, da sua posição tática privilegiada a grande altitude, ainda usufruiu da vantagem de disparar de “cima-para-baixo”, maximizando o alcance e a energia cinética dos seus mísseis.

Durante vários meses os Ucranianos não dispuseram de armas capazes de neutralizar com confiança os caças de longo alcance Russos. Em resultado, a presença da Força Aérea Ucraniana perto das linhas da frente, em missões de apoio próximo ou ataque, têm sido fortemente condicionada. Mas no sistema MIM-104 Patriot, os Ucranianos encontraram uma arma com o alcance e tecnologia para contrariar a superioridade dos Su-35/Su-30 – vários abates foram confirmados, alguns ainda dentro de território Russo. Com a chegada dos F-16, ou outro caça moderno, a resposta Ucraniana será ainda mais consistente. Os Ucranianos, desde muito cedo na guerra, desesperam tanto por caças F-16 equipados com AMRAAM para compensar essa desvantagem tecnológica frente aos russos.

O insucesso da campanha DEAD contra os sistemas antiaéreos móveis Ucranianos resultou em pesadas baixas em aviões e helicópteros Russos a partir do terceiro dia da invasão e afastou as patrulhas de caças para longe das fronteiras - e para maiores altitudes. Mesmo assim, o alcance dos radares e mísseis dos Su-35S e Su-30SM continuaram a ameaçar seriamente qualquer avião, helicóptero ou UAV Bayraktar Ucraniano perto das frentes de combate, mesmo quando estes se refugiavam em voos a baixa altitude. Em resposta às defesas antiaéreas Ucranianas, os Russos, a partir de Setembro de 2022, aumentaram significativamente o uso do míssil pesado de longo alcance R-37M (AA-13 “Axehead”), lançado a partir de MiG-31BM e Su-35S modificados. Com o decorrer dos meses, os Ucranianos notaram também uma melhor coordenação entre as patrulhas de caças Russas e os AWACS A-50U e aviões de vigilância eletrônica Il-20. Desta forma, a VKS, apesar de não conseguirem alcançar superioridade aérea no território Ucraniano (longe disso) tem conseguido negar essa mesma liberdade de movimentos á Força Aérea Ucraniana – situação que se mantém até ao dia de hoje.

A combinação MiG-31BM “Foxhound” e o míssil de longo alcance R-37M tem obrigado os Ucranianos a manter os seus aviões no chão ou (bem) longe das linhas da frente. O alcance efectivo de mais de 200 km, a alta velocidade e a capacidade de atingir alvos a baixa altitude tornam esta arma particularmente difícil de evadir – na OTAN este míssil era conhecido como o “AWACS killer”. Segundo os Ucranianos, o R-37M não tem abatido muitos dos seus aviões mas forçam o abandono de missões (por vezes os pilotos são obrigados a ejetar todas as armas para executar manobras violentas de evasão) e impedem o apoio direto ás tropas da linha da frente.

Por outro lado, a área onde as VKS tem falhado redondamente desde o início da invasão, foi em prover apoio aéreo próximo dinâmico eficaz (Close Air Support – CAS) as unidades Russas no terreno. Assim que ficou claro que o plano inicial de decapitar a liderança política, militar e de segurança Ucranianas (e compelir a rápida rendição das maiores cidades através da ameaça de cercos) tinha falhado, as forças Russas foram forçadas a se adaptarem rapidamente a nova realidade – e isto debaixo de fogo da inesperada, e formidável, resistência Ucraniana.

Em consequência, os regimentos de aviões de ataque e helicópteros de cada distrito da VKS foram incumbidos de apoiar as forças terrestres Russas nos vários eixos de penetração na Ucrânia a partir do início de Março de 2022. No entanto, por esta altura o sistema integrado de defesa antiaérea Ucraniano já estava devidamente deslocalizado e operacional na maioria do território, o que tornou as missões aéreas diurnas Russas extremamente perigosas. Devido a essas baixas, os Russos alteraram o perfil das missões para um envelope de voo de muito baixa altitude, usando essencialmente bombas burras e foguetes, até ao final de Março. Estes ataques, no entanto, não produziram resultados significativos, porque é extremamente difícil encontrar, identificar e atingir com precisão alvos pequenos e bem camuflados num terreno denso e a baixa altitude. A estas altitudes, os pilotos só dispõem de uns poucos segundos de visão direta para um determinado alvo e só conseguem executar uma passagem – a não ser que sejam suficientemente corajosos (ou loucos) para tentarem desbravar novamente as defesas antiaéreas do mesmo alvo, agora totalmente alerta e repleto de, muito irritados, Ucranianos. Além do mais, fora da comunidade dos Sukhoi Su-25 “Frogfoot”, poucos pilotos Russos tinham qualquer treino significativo em missões CAS a baixa altitude em espaço aéreo contestado, dado que nunca fez parte da instrução no período anterior a invasão.

Em troco de danos muito limitados nas posições Ucranianas, estas missões CAS Russas sofreram pesadas baixas em aviões e helicópteros – 10 aviões e um numero similar de helicópteros foram abatidos só na primeira semana de Março, por exemplo. Voar abaixo dos 3000 metros e obrigados a orbitar em busca de alvos, deixou os pilotos destas missões muito vulneráveis aos MANPADS “Igla” e Stinger, transportados por equipas móveis Ucranianas. Sem surpresas, depois de uma semana, a VKS cessaram as penetrações diurnas a baixa altitude. Em vez disso, as missões CAS mudaram para bombardeamentos a distancia (“loft” ou “toss bombing”) com foguetes não-guiados S-13 de 130mm ou S-8 de 80mm (Su-25 ou helicópteros) ou com ataques de mísseis Kh-29 (Su-34 ou Su-30). Em acrescento, as aeronaves melhor equipadas e com os pilotos mais experientes foram encarregues de missões noturnas a baixa altitude. Os Kamov Ka-52 usaram as tradicionais “hunter-killer” em ataques com mísseis ATGM e os Su-34 “Fullback” largavam, quase exclusivamente, grandes quantidades de bombas simples em alvos cercados como as cidades de Chernihiv, Sumy, Kharkiv e Mariupol. Mas, assim que as equipes de MANPADS Ucranianas foram equipadas com óculos de visão noturna eficazes, mesmo estas missões noturnas tiveram de ser reduzidas drasticamente. Assim, a partir de Abril de 2022, os Russos praticamente desistiram de penetrar com aviões ou helicópteros o espaço aéreo em território inimigo.

Após a falha e conseguinte retirada da ofensiva Russa sobre Kyiv, as táticas e padrões de apoio aéreo próximo da VKS não se alteraram. Nas batalhas seguintes no Donbass, em Kherson e na zona de Kharkiv, o grosso das missões de ataque consistiram em lançamentos de foguetes por aviões Su-25 “Frogfoot” e helicópteros Ka-52 “Alligator”, Mi-28 “Havoc” e Mi-24 “Hind”. Estes bombardeios a distância (“loft” ou “toss bombing”) produzem um efeito semelhante ao sistema de artilharia “Grad” de 122 mm – atingem uma zona com fogo supressivo contra tropas e veículos ligeiros em campo aberto, ou obrigam tropas inimigas a manterem-se em posições defensivas, mas não possuem precisão ou regularidade (persistência) de combate suficiente para neutralizar o inimigo. Helicópteros de ataque modernos, como os Ka-52 “Alligator” e Mi-28 “Havoc” lançam rockets estilo “toss bombing”, lançam flares e executam de imediato uma curva de 180º sem nunca se aproximarem sequer das linhas inimigas. A ameaça dos mísseis antiaéreos não permite arriscar mais e, verdade seja dita, os Ucranianos também têm sido forçados a usar a mesma manobra.

A ameaça das defesas antiaéreas Ucranianas fez com que os ataques aéreos Russos contra posições estáticas, como centros de comando e controle e concentrações logísticas, ficassem a cargo, primariamente, de mísseis de precisão, como o Kh-29 (e algumas bombas KAB guiadas por satélite) lançados por Su-34 “Fullback” e, por vezes, Su-30SM desde médias altitudes e bem longe das frentes de combate. Este tipo de ataques será melhor descrito como interdição do campo de batalha do que missões CAS tradicionais, onde o contato e cooperação com as forças amigas no terreno são mais (muito mais) diretos e os efeitos mais instantâneos.

Uma mudança mais tardia ocorreu desde Outubro-Novembro de 2022 quando se observaram vários ataques de Su-34 na frente de combate a baixa altitude com o recurso a simples bombas simples de gravidade. Isto poderia sugerir uma escassez de munições de precisão, dado que o perigo dos MANPADS, e mesmo da artilharia antiaérea ligeira, é muito elevado e, quer o comando aéreo, ou quer os pilotos da VKS, prefeririam, sem dúvida, evitar tais riscos se de todo possível. Em termos de perdas materiais em missões CAS, a VKS perderam (até Março 2023) 20 Su-34 de uma frota de aproximadamente 130 no início da invasão e 30 Su-25 de uma frota de cerca de 120. Quando aos helicópteros de ataque, as perdas confirmadas incluem 33 Ka-52 “Alligators” e 11 Mi-28 “Havoc”, de cerca de 120 em ambos os casos. Por outras palavras, a VKS sofreram perdas sérias em aviões e helicópteros (sem falar nos valiosos e insubstituíveis pilotos) contra poucos resultados práticos no terreno.

Em conclusão, a avaliação da ação da VKS na Ucrânia é, na maioria dos casos, medíocre. Tem funcionado relativamente bem nas funções defensivas de longo alcance e contra a aviação Ucraniana (defensive/offensive counter-air) e nos ataques estratégicos com mísseis de cruzeiro a partir de bombardeiros pesados estratégicos. Estes ataques, em combinação com ataques navais e mísseis baseados em terra (como o Iskander), criaram um efeito SEAD nas defesas Ucranianas nos primeiros dias da invasão. Desde então, estes ataques tem continuado a causar alguns danos na logística Ucraniana mas, especialmente, na infraestrutura civil. Por outro lado, a VKS provaram ser incapazes de efetuar missões de apoio às forças terrestres (CAS), missões de interdição de médio-longo alcance ou de neutralizar as defesas antiaéreas. Todas estas deficiências surgem, primariamente, da incapacidade de localizar, identificar e atacar com precisão alvos móveis em espaço aéreo contestado com regularidade. Em conjunto, a falha da campanha DEAD e a inexistência de apoio próximo eficaz às tropas do terreno têm impedido a VKS de serem decisivas na Ucrânia.

A Força Aérea Ucraniana também sofre de alguns dos males acima descritos. Por um lado, tem acesso a inteligência de localização de alvos e reconhecimento eletrônico de grande qualidade e precisão da OTAN, mas falta-lhe meios aéreos adequados com capacidade de executar as missões de interdição e CAS em espaço aéreo coberto pelas defesas antiaéreas e caças Russos. Por conseguinte, os Ucranianos também têm recorrido aos pouco eficazes bombardeamentos a distância com foguetes – tal como os Russos, os resultados têm sido desinspiradores. Outra área onde a Força Aérea Ucraniana têm emulado a VKS é nos lançamentos de mísseis de cruzeiro de longa distância, neste caso, com os Storm Shadow lançados de Sukhoi Su-24 “Fencer”. Assim, em termos de guerra aérea, a situação na Ucrânia mantêm-se num impasse (que dura há anos); as defesas antiaéreas têm-se revelado mais fortes, persistentes e eficazes, relegando a aviação de ambos os lados para um papel secundário.

O aspecto mais significativo do falha da VKS na Ucrânia, e geralmente negligenciado pelos analistas antes da invasão, foi a incapacidade dos pilotos Russos e do pessoal de terra em planejar, organizar e executar aquilo que a OTAN designa como COMAOs (Composite Air Operations). Em termos genéricos significa missões compostas por múltiplos tipos de aeronaves, em ações coordenadas, com objetivos militares específicos (local e tempos de execução) e que envolvem 20 a 100 aviões/helicópteros. As COMAOs, centrais na forma como os EUA e a OTAN usam o poder aéreo, envolve coordenação complexa entre meios de combate e meios de apoio.

A VKS iniciou a invasão com cerca de 400 aviões polivalentes genuinamente modernos (Su-35S, Su-30SM e Su-34) e 300 aviões mais antigos mas modernizados (Su-25SM, MiG-31BM e MiG-29SMT). Por conseguinte, muitos analistas simplesmente assumiram que estas vantagem numérica impressionantes seriam empregues em missões COMAO - compensando as deficiências e potenciando as vantagens de cada aeronave numa força combinada. Esta presunção cristalizou apesar da VKS nunca ter demonstrado verdadeiramente essas capacidades na prática. Por exemplo, na Síria, a vasta maioria das missões Russas foram executadas por apenas um ou dois aviões, geralmente em patrulhas de caça ou no lançamento de bombas simples de média altitude. O treino na VKS são quase sempre exercícios em pequenas formações que envolvem simples voos de navegação, lançamento de armas não guiadas em campos de tiro e intercepções controladas por terra – uma herança dos tempos da URSS. Além disso, o típico piloto Russo acumulava 80-100 de voo por ano antes da invasão e os regimentos da VKS não tem acesso a simuladores modernos que as Forças Aéreas Ocidentais usam cada vez mais para treinos sintéticos complexos. Quando vistos em conjunto, estes fatores explicam a incapacidade das VKS em executarem COMAOs. Coordenar elementos diversos de múltiplas Forças Aéreas exige treinos constantes e realistas – como o TLP (Tactical Leadership Programme) e outras iniciativas semelhantes.

As COMAOs são críticas na forma como os EUA e a OTAN utilizam poder aéreo em espaço contestado. Ao combinar caças polivalentes em missões de caça ofensiva e defensiva, aviões de alerta antecipado (AWACS) e apoio eletrônico, aviões de reabastecimento com meios de perturbação eletrônica (EA-18G ou Tornado ECR), capacidade DEAD e os sempre presentes meios CSAR, é possível criar uma força com uma capacidade agregada muito superior ao que a soma das partes poderia sugerir. Mas executar missões complexas deste gênero, contra um inimigo capaz, exige instrutores e pilotos líderes de formação altamente experientes e qualificados a nível de esquadrão para planejar, informar o briefing, liderar e recapitular num debriefing detalhado tudo o que se passou (de bem e de mal) após cada missão. Cada piloto tem se ser capaz de adaptar rotas, calcular perfis de combustível, planejar as comunicações e decidir quando surge alguma coisa inesperada – seja ação inimiga, falha mecânica ou mau tempo. E, mais importante, após tudo isto, tem de ser capaz de cumprir o objetivo que lhe foi designado – no local certo e á hora certa. Este tipo de piloto não se treina de um dia para o outro – tem de fazer parte do DNA do treino de uma Força Aérea e exige exercícios constantes e realistas.

Em termos simples, a VKS nunca treinaram os pilotos para operar da mesma forma como a RAF, USAF, Luftwaffe ou outras Forças Aéreas da OTAN fazem há décadas. Os Russos privilegiam missões mais específicas, em pequenas formações e com comando e controle apertado. Assim compreendemos melhor porque a VKS foram incapazes de combinar eficazmente missões de caça com o esforço SEAD/DEAD e com as missões de ataque na invasão da Ucrânia.

Entretanto, nada disto deveria constituir uma surpresa – é a doutrina tradicional do papel da VKS dentro das Forças Armadas Russas. Desde o início da Guerra Fria, o bloco Soviético tem apostado numa extensa e integrada rede de defesas antiaéreas terrestres para enfrentar o superior poderio tecnológico da aviação da OTAN. A eficácia devastadora das Forças Aéreas da OTAN ficou demonstrada nos vários conflitos de baixa e média intensidade desde os anos 90. Sem surpresas, a Rússia têm investido boa parte dos recursos financeiros e tecnológicos em defesas antiáreas – e ajustado a doutrina operacional de acordo. Em contra-ciclo, a OTAN tem desinvestido em defesas antiaéreas modernas desde o fim da Guerra Fria – mesmo sistemas como o Patriot PAC-3 e o THAAD são optimizados para defesa contra mísseis balísticos. A conclusão de tudo isto, é que o inimigo “tradicional” e doutrinal da VKS, e para o qual se prepararam e treinaram durante décadas, eram as Forças Aéreas da OTAN enquanto na Ucrânia enfrentaram um sistema antiaéreo robusto (nas mesmas linhas Soviéticas) para o qual não estavam preparados – principalmente na capacidade SEAD/DEAD.

Terminamos esta breve análise e participação da VKS na Ucrânia por destacar as deficiências nas missões de apoio aéreo próximo (CAS) e interdição do campo de batalha. A conclusão é de que as limitações Russas não deveriam ser surpreendentes devido a bem conhecida ausência de “pods” de aquisição de alvos (targeting pods) laser/GLONASS em comparação com as Forças Aéreas Ocidentais. “Pods” modernos como o Litening III ou Sniper são vitais para as táticas CAS da OTAN/EUA. Equipados com sensores multi-espectrais estabilizados, permitem vigiar, identificar, fixar e atacar alvos de uma distância suficientemente segura para evitar a ameaça dos letais MANPADS. A indústria Russa, apesar de ter desenvolvido alguns protótipos de “pods” para potenciais clientes de exportação, tem sido incapaz de os fornecer em número para a própria VKS.

Como avião de ataque dedicado, o Sukhoi Su-34 “Fullback” possui um sensor eletro-óptico retrátil com designador laser chamado Platan, mas este sistema fornece um campo de visão (field of view) muito limitado e não inclui capacidade térmica para operações noturnas ou com mau tempo. O sensor fixo SOLT-25 do Sukhoi Su-25SM3 “Frogfoot” ou o Kaira-24 retrátil do Sukhoi Su-24M “Fencer” oferecem campos de visão ainda mais limitados – o SOLT-25 pelo menos dispõem de capacidade infravermelha. Além dessa desvantagem, os sistemas Russos tem estabilização e capacidade de zoom significativamente inferiores quando comparados com sistemas Ocidentais, o que limita ainda mais a habilidade dos pilotos em encontrar e adquirir alvos no campo de batalha a uma distância segura.

O que isto significa na prática, é que mesmo os aviões de ataque dedicados são forçados a voar diretamente para a zona de combate enquanto tentam localizar, identificar e fixar posições Ucranianas bem camufladas, enquanto usam sensores com capacidade em mau tempo limitada, estabilização pobre e resolução/zoom insuficiente – o que obriga, por sua vez, a aproximarem-se demasiado dos alvos. Disto resulta uma grande pressão e maior carga de trabalho no cockpit dos pilotos Russos e um perfil de voo que vai aumentar ainda mais a vulnerabilidade frente as defesas antiaéreas. E para aviões de ataque não dedicados, como os Sukhoi Su-35S ou Su-30SM, a situação é ainda pior. Para atacar um alvo que não seja devidamente visível no radar ou sem coordenadas precisas GPS/GLONASS, estes aviões, que não possuem sensores eletro-ópticos internos, tem de recorrer aos sensores dos próprios mísseis que transportam (por exemplo, o Kh-29T “Kedge”) para localizar e atacar alvos. Estes sensores, pela sua natureza, são muito mais limitados em termos de custo, espaço, peso e potência quando comparados com sensores equivalentes instalados em aviões ou em “pods” dedicados, portanto oferecem pior resolução de imagem, zoom e estabilização – além disso, o limite de campo de visão é ainda mais ”estrito” quando comparado com sistemas (já de si limitados) como o Platan ou SOLT-25.

O Sukhoi Su-24M “Fencer” baseia a capacidade óptica de ataque no sistema Kaira-24 localizado na “barriga” do avião. A câmara EO possui modos de contraste e intensificação para melhorar a aquisição de alvos em condições de baixa visibilidade e/ou pouca iluminação (uma substituição muito pobre para a ausência de visão térmica). Tem dois campos de visão – um para procura e um segundo, com cerca de 3x zoom, para identificação de alvos. A distância média de detecção, para um alvo do tamanho de um MBT, é de 5km - especificações muito aquém das capacidades mínimas dos sistemas Ocidentais. O sucessor do “Fencer”, o Su-34 “Fullback”, também incorpora um sensor EO/laser ventral, designado como Platan, mas é apenas adequado para uso a médias altitudes devido ao reduzido campo de visão. O sistema é retrátil para proteger as ópticas e só se expõem quando estritamente necessário. Quando a Força Aérea da Malásia escolheu o Su-30MKM “Flanker” optou pelo “pod” de aquisição de alvos Damocles da Thales, muito superior a qualquer sistema oferecido pelos Russos.

Na Síria, muitas destas limitações eram mitigadas pelo fato da VKS operarem a média altitude, fora do alcance dos MANPADS, dando tempo aos pilotos para encontrar, localizar e atingir alvos. Mesmo assim, a maioria das munições usadas foram bombas simples (não guiadas) e os alvos resumiam-se a posições fixas em áreas urbanas cercadas – totalmente diferente do cenário na Ucrânia, com alvos pequenos, móveis, bem camuflados e protegidos. O sucesso da campanha aérea na Síria assentou no fato da oposição não ter forma de contestar o controle dos céus e, por conseguinte, encontravam muitas dificuldades em segurar território debaixo de bombardeios e com pouca capacidade de manobra. Na Ucrânia, a incapacidade da VKS em destruir os sistemas SAM móveis impediu-os de operarem a média-alta altitude além das linhas da frente, e a vulnerabilidade aos MANPADS tornou os ataques repetidos a baixa altitude demasiado perigosos. Neste contexto, as limitações técnicas dos Russos, junto com o treino insuficiente dos pilotos, explicam a falha na condução de missões CAS e interdição efectivas. Estes impedimentos decorrem, não de insuficiências tecnológicas, mas pelo fato da doutrina militar Russa, como um todo, confiar no uso de artilharia em massa, assaltos mecanizados e fogos de precisão baseados em terra como tática (a nível operacional) para assegurar letalidade no campo de batalha – o apoio aéreo e interdição surgem como atores secundários. Por conseguinte, a Rússia não investiu fortemente no tipo de sensores, aviões e treino de pilotos que as Forças Aéreas Ocidentais dão por garantido, depois de décadas de campanhas contrainsurgência e manutenção de paz, onde o poder aéreo assegurou o grosso do poder de fogo.

Deficiências na compreensão do Poder Aéreo

A Rússia, embora mantenha uma força aérea independente, reorganizada em 2015 para incluir as forças espaciais, compreendendo unidades de aviação e GBAD (embora o exército russo também mantenha capacidades de defesa aérea separadas), a coordenação das operações aéreas é de responsabilidade dos comandantes das forças terrestres, não da VKS, inibindo assim as forças russas de explorar todo o potencial do poder aéreo.

Na preparação para a guerra, o equilíbrio do poder aéreo estava fortemente a favor da Rússia, que colocou em campo 350 aeronaves de combate na região, capazes de centenas de surtidas por dia. Entre elas estavam algumas das aeronaves de combate mais avançadas da Rússia, incluindo aeronaves Su-30, Su-34 e Su-35S. Além de sua vantagem numérica, a VKS também desfrutava de uma vantagem qualitativa significativa, com melhores radares e mísseis de longo alcance. Os caças russos demonstraram que podiam obter um bloqueio de radar e executar lançamentos de mísseis "dispare e esqueça" a 92 km em combate. Em um caso, um caça russo supostamente abateu um caça ucraniano a um alcance de 176 km. A VKS colocou em campo capacidades EW significativas e eficazes e uma pequena frota de aeronaves AWACs, cujo radar de longo alcance fornecia alerta antecipado às patrulhas aéreas de combate russas. As tripulações de caça da VKS tinham experiência de combate voando na Síria, mas tinham experiência limitada em operações complexas e entrega de munições guiadas de precisão (PGMs).

A Ucrânia entrou na guerra com uma força muito menor e menos capaz — aproximadamente 50 MiG-29s e 32 Su-27s, além de cerca de 40 aeronaves de ataque terrestre Su-24 e Su-25. Embora carecesse de força de combate, no entanto, a força piloto ucraniana foi capaz de se adaptar rapidamente durante os primeiros dias da guerra, mudando para operações de baixa altitude para autoproteção, por exemplo.

A defesa aérea era uma tarefa fundamental para as antigas forças armadas soviéticas, e tanto a Rússia quanto a Ucrânia herdaram e mantiveram grandes estabelecimentos de GBAD (defesa aérea terrestre). Depois da Rússia, a Ucrânia tem a segunda maior densidade de GBAD na Europa. Essas capacidades de GBAD em camadas consistem em radares de defesa aérea, baterias SAM de longo alcance (SA-10) e médio alcance (SA-11 e SA-8), armas antiaéreas e milhares de mísseis de defesa aérea portáteis (MANPADS). Após a invasão russa em 2014, a Força Aérea da Ucrânia priorizou a modernização dessa força e, conforme a guerra progredia, acrescentou contribuições de membros da OTAN, incluindo baterias Patriot/Hawk e sistemas móveis de defesa aérea de curto alcance, como Gepard e Avenger. As forças GBAD da Rússia são semelhantes, embora maiores, mais modernas e mais capazes. Elas incluem o SA-21, que pode combinar com radares modernos de rastreamento e direcionamento para fornecer um aumento de três vezes no alcance de engajamento sobre o SA-10. Em operações de combate, um SAM russo de longo alcance supostamente abateu uma aeronave ucraniana em nível baixo a uma distância de 150 km. Até o momento, a letalidade das defesas russas e ucranianas contra aeronaves penetrantes dominou o curso da guerra aérea.

Embora historicamente consistente — o suporte da aviação para os movimentos do Exército Vermelho na Segunda Guerra Mundial era chamado de “artilharia aérea” — essa escolha em uma guerra moderna foi um erro de cálculo estratégico. Se a VKS tivesse continuado sua campanha de contra-ataque, a Rússia poderia ter alcançado a superioridade aérea. No outono de 2022, os dois lados atingiram uma estagnação que continua até os dias atuais. MANPADS tornaram as missões diurnas de baixo nível muito perigosas, enquanto SAMs e caças tornaram altitudes médias e altas letais para missões de penetração em ambos os lados. A Rússia conseguiu empurrar as unidades GBAD da Ucrânia para trás das linhas de frente, permitindo que a VKS enviasse bombas planadoras contra posições ucranianas, mas a VKS foi impedido de voar aeronaves habitadas em missões de penetração mais profunda, forçando-o a depender de drones, mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos. As defesas da Ucrânia se mostraram altamente eficazes contra essas armas. Por exemplo, em maio de 2023, a Ucrânia relatou ter abatido cerca de 90% dos mísseis de cruzeiro e drones russos e quase 80% dos mísseis balísticos lançados do ar e do solo em todo o país. Mísseis Patriot, quando empregados, abateram 100% dos mísseis balísticos que se aproximavam. Esse sucesso ilustra porque as aeronaves de combate da VKS estavam relutantes em penetrar nessas defesas.

Em alguns aspectos, o ambiente aéreo que evoluiu na Ucrânia desde o verão de 2022 ilustra os mesmos medos mantidos pela Força Aérea dos EUA - USAF - em relação aos GBADs após a Guerra Árabe-Israelense de 1973, quando SAMs e armas fornecidos pelos soviéticos abateram 60 caças israelenses em quatro dias. Esse sucesso ajudou a levar os Estados Unidos a desenvolver tecnologia stealth na década de 1970 como um meio de combater defesas aéreas integradas. O caça de ataque F-117 provou o quão eficaz o stealth pode ser na Guerra do Golfo de 1991, alimentando um apetite por stealth que incluiu o bombardeiro B-2, os caças F-22 e F-35 e o bombardeiro B-21 nas três décadas seguintes.

Tradicionalmente, a VKS sempre apostou em uma defesa superfície-ar robusta para proteger o avanço das forças terrestres, com a aviação preenchendo as lacunas para defender o território russo; a aviação de longo alcance e a aviação do exército atuariam como "artilharia" voadora como parte da ofensiva. No entanto, nas últimas décadas, a VKS investiu pesadamente em melhorias tecnológicas, como radares Active Electronically Scanned Array, mísseis ar-ar de longo alcance, alta manobrabilidade e algumas capacidades furtivas. Essas melhorias reforçaram a ideia de que a VKS estava mudando sua doutrina para um papel muito mais focado na superioridade aérea tradicional, especialmente com a adição da família de caças Su-30, incluindo o novo caça furtivo Su-57. A OTAN considerou a Rússia como um potencial adversário e, consequentemente, treinou e preparou suas forças para enfrentar uma VKS poderosa com caças altamente capazes, visando alcançar a supremacia aérea. Com uma estimativa tão alta da capacidade de combate aéreo da Rússia, como é possível que o VKS não tenha alcançado supremacia aérea na Ucrânia, ou pelo menos superioridade aérea, sem mencionar sofrer um desgaste tão alto? A explicação pode ser simples: a doutrina aérea do VKS difere da da OTAN, com os planejadores russos ainda tratando a aviação militar como mera "artilharia voadora".

A coordenação e integração entre aeronaves russas e defesa aérea tem sido historicamente fraca, especialmente com suas Forças Terrestres de Defesa Aérea (PVO-SV). Por exemplo, durante a invasão da Geórgia pela Rússia em 2008, o fogo amigo entre forças russas e forças russas proxy na Ossétia abateu três das seis aeronaves russas perdidas. A Rússia tem capacidades limitadas de Identificação, Amigo ou Inimigo (IFF), controles de procedimento precários e treinamento conjunto reduzido entre o VKS e o PVO-SV; portanto, a probabilidade de erros de procedimento e fratricídio é alta. Esses fatos, suplementados pela recuperação parcial e gradual das capacidades superfície-ar ucranianas após perdas iniciais, deixaram as forças terrestres russas desprovidas de apoio aéreo. A falta de treinamento (especialmente treinamento conjunto) e a integração do planejamento provavelmente fomentaram a desconfiança entre os diferentes ramos das forças russas. A defesa aérea terrestre da Rússia continua sendo uma ameaça grave, mesmo para sua própria aviação.

Como dito antes, a defesa superfície-ar ucraniana gradualmente reconstituiu certas capacidades quando a Rússia voltou a se concentrar na guerra terrestre. Para evitar a ameaça, as aeronaves russas foram forçadas a executar missões inteiras de território amigo com munições de standoff ou táticas de baixa altitude, ficando assim expostas aos MANPADS da Ucrânia e até mesmo aos seus próprios.

Um mês após a invasão, uma vez que a defesa ucraniana foi reorganizada e efetivamente enfrentou as forças inimigas, a Rússia finalmente reagiu e aumentou seus voos em quase cinquenta por cento. Ao longo de julho e agosto, a Rússia aumentou ainda mais sua presença aérea sobre a Ucrânia, especialmente após os ataques retaliatórios da Ucrânia no aeroporto de Saky, a principal base da Aviação Naval na Crimeia. No entanto, devido ao alto desgaste, o VKS reagiu e ajustou suas táticas reduzindo o número de voos sobre o território controlado pela Ucrânia e operando principalmente da Bielorrússia, Crimeia ou do continente russo, especialmente à noite, com bombardeiros estratégicos carregando mísseis de cruzeiro e voando em altas altitudes para melhorar a resistência. Além disso, e com sucesso certo, o VKS aproveitou sua superioridade tecnológica usando mísseis ar-ar de longo alcance para atingir caças ucranianos de longas distâncias, até mesmo do continente russo.

A decisão de operar principalmente fora do território da Ucrânia levou a uma redução drástica de aeronaves abatidas. No entanto, a Aviação do Exército Russo teve que continuar voando em apoio às suas forças terrestres, operando assim perto ou dentro do território controlado pela Ucrânia. No entanto, mesmo quando operando sob o guarda-chuva da defesa aérea baseada na Rússia, a taxa de atrito da Aviação do Exército continuou a aumentar. Com essa adaptação, o VKS visava reduzir perdas enquanto apoiava a invasão. No entanto, a falta de munições guiadas e plataformas capazes de atacar à noite impactou negativamente a precisão de seus ataques e, portanto, o suporte às suas tropas terrestres.

Além disso, esses dados revelam apenas as horas de voo, em vez da qualidade do treinamento. Os exercícios VKS variam em tamanho e desafios táticos, incluindo voos noturnos, voos de altitude muito alta ou muito baixa, condições climáticas adversas ou operação de campos de aviação alternativos. No entanto, essas tarefas desafiadoras individualmente foram aparentemente ensaiadas sem integração em operações mais complexas ou coordenadas. Mesmo no nível tático, os caças VKS operam principalmente como aeronaves únicas ou em pequenas formações sem integração com as outras formações de voo. No geral, os russos exercitam cenários situacionais táticos estreitos e ignoram a integração e o planejamento complexo de campanha.

Na doutrina e na prática, o Poder Aéreo desempenha um papel central para todos os membros da OTAN. Em qualquer operação, o Componente Aéreo é consistentemente encarregado de planejar, conduzir e executar a campanha aérea preparatória inicial para obter superioridade aérea e, finalmente, supremacia aérea. A campanha aérea é essencial para garantir o sucesso de qualquer outra missão, pois fornece uma vantagem estratégica ao permitir que as forças da OTAN ganhem o controle dos céus e estabeleçam um ambiente seguro para as tropas terrestres da OTAN. A OTAN espelhou essas práticas no VKS. No entanto, contra todas as expectativas, o VKS empregou táticas tradicionais e foi incapaz de executar operações complexas; em vez disso, operou como uma extensão da artilharia do Exército. Consequentemente, a presença e o desempenho surpreendentemente "baixos" do Poder Aéreo Russo na guerra da Ucrânia foram um choque para todos. No entanto, à medida que o conflito avança, a situação continua a evoluir.

As possíveis causas para a aparente relutância do VKS em executar grandes operações aéreas compostas com um grande número de aeronaves táticas são múltiplas, desde medos de sofrer perdas excessivas, treinamento insuficiente e equipamento impróprio até planejamento ruim e falta de capacidades de coordenação tanto no nível estratégico quanto no tático. No entanto, a explicação real também pode ser que a doutrina do VKS difere da da OTAN. Os planejadores russos podem considerar a aviação militar como artilharia voadora altamente responsiva, enquanto confiam em ativos superfície-ar para fornecer defesa aérea, com a aviação preenchendo as possíveis lacunas. Uma conclusão parece clara: sem superioridade aérea, as tropas terrestres permanecem bastante expostas, dificultando gravemente a campanha terrestre.

O poder aéreo russo não se limita à aviação tática. O Kremlin possui uma grande frota de bombardeiros e a tem usado para ataques de longo alcance contra centros urbanos ucranianos, infraestrutura crítica e bases militares. Esses bombardeiros usam principalmente mísseis balísticos e de cruzeiro de longo alcance. No entanto, as demandas da guerra, juntamente com sanções internacionais e problemas crônicos nas indústrias de defesa.

Para manter a pressão contínua contra a Ucrânia, os militares russos recorreram ao uso de drones suicidas. Drones suicidas muito mais baratos — mas também menos destrutivos — forçam os militares ucranianos a gastar recursos preciosos para combatê-los, ao mesmo tempo em que permitem que Moscou reconstrua seus estoques de mísseis. O Irã tem sido o principal fornecedor de sistemas aéreos não tripulados para a Rússia, fornecendo milhares de drones e os cursos de treinamento necessários. O uso consistente pela Rússia de Sistemas Aéreos Não Tripulados de Ataque Unidirecional (OWA UAS) permitiu à Rússia o espaço e o tempo para recuperar sua frota de Aviação de Longo Alcance e seus estoques associados de Mísseis de Cruzeiro Lançados do Ar e Mísseis Balísticos Lançados do Ar. 

As falhas russas foram motivadas pela incapacidade de integrar rapidamente a inteligência com os processos de segmentação, conduzir avaliações imparciais de danos de batalha (BDAs) para informar os planos de guerra e desconflitar o controle do espaço aéreo entre as Forças Aeroespaciais Russas e as defesas aéreas terrestres do Exército Russo.

No entanto, essas falhas genuínas obscurecem muitos sucessos, e a campanha aérea russa demonstrou força ao lado de falhas significativas. Por exemplo, vários meses antes do início da guerra aérea, as Forças Aeroespaciais Russas empregaram sua aeronave de reconhecimento Su-24MR Fencer-E e a aeronave de inteligência eletrônica Il-20 Coot para gerar um mapa de localização das defesas aéreas ucranianas. Essas plataformas de inteligência técnica foram suplementadas por fontes de inteligência humana ucranianas cultivadas pelo Serviço de Inteligência Estrangeiro Russo. Quando a guerra começou, os bombardeiros russos Su-34, caças Su-30SM e caças Su-35S supostamente voaram cerca de 140 surtidas nos primeiros dias e atingiram alvos bem no interior da Ucrânia. Ao mesmo tempo, as operações de guerra eletrônica suprimiram os ativos de defesa aérea ucranianos. Mais de 100 locais fixos de radar de defesa aérea, locais de mísseis terra-ar (SAM) e locais de armazenamento de munições foram atingidos com um esforço para remover tais instalações "ao longo das rotas destinadas a serem usadas" pelo avanço das forças russas, de acordo com uma análise da RUSI. Além disso, a campanha aérea foi complementada por grandes salvas de mísseis coordenadas. Nos primeiros meses do conflito, a Rússia disparou mais mísseis contra a Ucrânia do que qualquer país havia empregado em uma guerra desde a Segunda Guerra Mundial.

A Ucrânia empreendeu um esforço concentrado para desenvolver táticas para dispersar suas capacidades de defesa aérea e operá-las no modo shoot-and-scoot desde a invasão russa da Crimeia em 2014. Em 2022, as forças ucranianas treinaram extensivamente para dispersar aeronaves e unidades de defesa aérea dos principais campos de aviação. As tropas ucranianas começaram a desocupar vários ativos críticos de defesa aérea e estoques de munição que provavelmente seriam alvos da Rússia uma semana antes da invasão, e aumentaram seus esforços nas 72 horas que antecederam a salva inicial de mísseis das Forças Aeroespaciais Russas, salvando-as com sucesso do ataque.

À medida que a guerra se desenrolava, os ucranianos demonstraram a capacidade de operar suas baterias de SAM de defesa aérea como unidades pop-up em vez de baterias totalmente formadas com vários veículos de suporte; essa pegada menor e menos detectável representava desafios severos para a segmentação russa. A capacidade da Ucrânia de manter esses sistemas em jogo reforçou os problemas da Rússia. A presença de SAMs forçou os caças russos a voar baixo para evitar a detecção, mas em baixas altitudes, as aeronaves de caça russas começaram a sofrer desgaste significativo de sistemas de defesa aérea portáteis (MANPADS). A Ucrânia, em antecipação à campanha aérea da Rússia, adquiriu diligentemente uma variedade de MANPADS dos Estados Unidos e outros parceiros europeus e os distribuiu às forças ucranianas em grandes números. A Força Aérea Ucraniana também se adaptou. Ela treinou seus pilotos para voar seus caças baixo e explorar o terreno para evitar a detecção de radar, e a equipe de manutenção da aeronave praticou a manutenção de seus caças em meio às hostilidades quando o acesso às instalações de manutenção regular foi negado. Esses dois fatores permitiram que os caças ucranianos aumentassem a resistência gerada pelas unidades de defesa aérea da Ucrânia.

As fraquezas organizacionais russas agravaram ainda mais seu fracasso. A inteligência russa não conseguiu acompanhar as táticas de dispersão das unidades de defesa aérea ucranianas e, em vez disso, desferiu ataques precisos que impactaram apenas de 3 a 10 metros do ponto de mira pretendido em locais há muito desocupados pelas forças ucranianas. Além disso, os processos BDA russos parecem ter sofrido de um viés de confirmação profundamente arraigado que presumia que qualquer ação ordenada e executada deveria ter sido bem-sucedida. Esse viés facilitou a reconstituição ucraniana de ativos levemente danificados.

Na realidade, a Força Aérea Russa obteve sucesso misto. Após o choque inicial, os militares da Ucrânia se reagruparam e começaram a montar uma defesa impressionante que incluía vários tipos de sistemas de defesa aérea, negando a superioridade aérea russa. Ao longo dos meses seguintes, a guerra aérea da Rússia consistiu em grande parte em barragens de mísseis, com a força aérea relegada a missões esporádicas de apoio aéreo aproximado e lançamento de bombas de distâncias seguras para evitar as defesas aéreas da Ucrânia. No outono de 2022, os russos começaram a usar intensamente drones suicidas iranianos baratos (autodetonantes) enquanto continuavam as barragens de mísseis. No final do ano, os militares ucranianos continuaram a negar à Força Aérea Russa tripulada qualquer liberdade de movimento no espaço aéreo sobre a Ucrânia.

A guerra ressalta que na era dos mísseis, a defesa aérea terrestre, empregada efetivamente por uma força de manobra usando comando de missão e uma forte vontade de lutar, pode ter efeitos decisivos em uma campanha geral contra uma força numericamente superior. A abordagem de negação aérea da Ucrânia envolveu:

• Mobilidade para aumentar a capacidade de sobrevivência

• Dispersão para complicar a segmentação do adversário

• Uso seletivo de defesa aérea terrestre para reduzir a visibilidade e a vulnerabilidade

• Escolha eficiente de munições para conservar mísseis

As forças aéreas russas têm decepcionado nos últimos 3 anos de guerra, mas também se adaptaram rapidamente e marcaram vitórias por meio de táticas como bombardeios de standoff e barragens sincronizadas de drones e mísseis. Outros elementos das forças aeroespaciais também negaram efetivamente à Ucrânia a chance de mudar o campo de batalha dos céus.

Pelo que esta guerra mostrou, para combater os russos, a OTAN precisa de mais defesas aéreas, novas formas de combater drones e novos conceitos de base. Sem isso, a aliança pode enfrentar uma luta mais desagradável se o pior acontecer.

Fontes:

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